sexta-feira, 13 de maio de 2011

O ATOR

ALBERT CAMUS

Considerações Sobre o Ator

O ator reina no domínio do mortal. De todas as glórias do mundo, sabemos que a sua é a mais efêmera. Mas todas as glórias são efêmeras! E é também o ator quem mais percebe, entre todos os homens, que tudo deve morrer um dia. E para ele, não representar significa morrer cem vezes – com as cem personagens que ele teria animado ou ressuscitado.

Basta um pouco de imaginação para se sentir o que significa o destino de um ator. É no tempo que ele compõe e organiza suas personagens. É também no tempo que ele aprende a domina-lás. Quanto mais vidas diferentes ele viveu, melhor se separa delas.

Percorrendo assim os séculos e os espíritos, imitando o homem tal como ele pode ser e tal como é o ator confunde-se com outra figura absurda: o viajante. E como o viajante, o ator esgota algum coisa que percorre sem cessar. Ele é o viajante do tempo e, se é um grande ator, torna-se o aflito viajante das almas.

Para pegar um copo ele encontra de novo o gesto de Hamelet erguendo a taça: Por isso não é assim tão grande a distância que o separa dos seres que ele faz viver. Ele ilustra então, todos os dias, com muita riqueza, essa verdade tão fecunda: a de que não existe fronteiras entre aquilo que homem “quer ser” e aquilo “que é”.

Quanto mais estreito é o limite que lhe é dado para criar sua personagem, tanto mais necessário que ele tenha talento. Afinal de contas, ele vai morrer, dentro de duas ou três horas, sob um rosto que não é o seu. É preciso que nessas duas ou três horas ele sinta e exprima todo um destino excepcional. Isso tem um nome certo: É perder-se para se encontrar. Nessas duas ou três horas ele vai até o fim de um caminho sem saída que o homem da platéia leva a vida toda a percorrer.

A igreja, no passado, repudiava na arte do ator a multiplicação herética das almas, o deboche das emoções, a pretensão escandalosa de um espírito que se recusa a viver apenas um destino e se precipita então em todas as intemperanças.

A atriz Adrienne Lecouvreur , no seu leito de morte, quis confessar-se e comungar, mas recusou-se a renegar sua profissão, conforme lhe exigiam. E por causa disso, ela perdeu o benefício da extrema-unção. Isso significa que entre Deus e a sua profissão ela tomou o partido da sua profunda paixão pelo teatro. E essa mulher, na agonia, recusando-se a renegar aquilo que chamava “a sua arte”, mostrava uma grandeza, morrendo, que nunca atingira no palco. Foi o seu papel mais belo e também o mais difícil: escolher entre o céu eterno e uma fidelidade irrisória. E é esta, finalmente, a tragédia secular onde temos de ocupar o nosso lugar: entre nós e a eternidade, optar por nós.  



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